ELEMENTOS DO DIREITO CONTRATUAL E AS FASES DO PROCESSO CONTRATUAL
O Direito Contratual trata-se de um instrumento que nasce da vontade das partes, por meio de condutas sucessivas, a fim de satisfazer objetivos em comum, com conteúdo econômico, cujos fundamentos são a socialidade, eticidade, a função social e o equilíbrio econômico do contrato, contendo, ainda, normas de ordem pública que deverão ser observadas, posto que possuem caráter obrigatório, com valor irrenunciável e indisponível.
No Brasil, a autonomia privada é limitada ao interesse coletivo, visto que o contrato não serve apenas para atender aos interesses individuais das partes, mas também a sua função social, a qual deverá ser observada em todas as fases do contrato.
Em breve análise a história do Direito Contratual e os limites impostos à liberdade de contratar, observamos que no início do século XX, havia uma perspectiva liberal, trazendo consigo um olhar individualista, no qual o Contrato “fazia lei” entre as partes, com ampla autonomia privada e intervenção mínima do Estado.
Ocorre que, na segunda metade do século XX, com a perspectiva pós-positivista, o Direito Contratual passou a ser um instrumento para desempenhar uma função social, limitando a autonomia das partes à função social e a boa-fé, com vistas a atender os interesses de toda a coletividade.
O atual modelo contratual contemporâneo deverá, portanto, atender às regras da função social do contrato e não tão somente os interesses econômicos individuais, em estrita observância aos princípios expressos na Constituição Federal Brasileira de 1988, quais sejam: “i) Dignidade da pessoa humana; ii) Solidariedade; iii) Igualdade substancial; iv) livre iniciativa”.
Oportuno destacar que a função social do contrato deverá ser observada a partir dos valores consagrados à época da celebração e execução do instrumento, ou seja, significa dizer que o contrato deverá ser interpretado de acordo com os valores vigentes na sociedade quando da sua celebração.
Da validade do negócio jurídico
A denominada “escada Ponteana”, idealizada pelo jurista Pontes de Miranda, dispõe que cada parte da formação do negócio jurídico será representada por um degrau, devendo os requisitos serem atendidos para que se possa, então, passar para o próximo degrau.
Em síntese, tem-se a existência do ato, devendo conter a manifestação da vontade das partes, seja ela expressa ou tácita, os “sujeitos”, no plural, posto que o contrato é um acordo de vontades, o objeto do contrato, e a forma, a fim de verificar a existência e efetividade do acordo.
No plano da validade: agente capaz, entendendo-se por agente capaz àquele que, de fato, possui capacidade para prática daquele ato em si, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e a forma prevista ou não defesa em lei. Ainda, no plano da eficácia, deverão ser observados os elementos acidentais, com vistas a estabelecer as diretrizes sobre os efeitos do negócio jurídico entre as partes e terceiros.
Oportuno salientar que a inexistência de vícios é considerada pressuposto para a validade do ato. Os vícios podem ser classificados como vícios de consentimento: erro, dolo, coação, lesão e estado de perigo, ou seja, vícios que viciam o desejo das partes; ou vícios sociais, cujos efeitos prejudicam terceiros, a exemplo, fraude contra credores e a simulação.
Da boa-fé contratual
O princípio basilar do Direito Contratual é o denominado princípio da boa-fé contratual, princípio este que deverá ser observado pelas partes em todas as fases do contrato.
Importante ressaltar que, ao falarmos em contrato, devemos, de forma obrigatória, nos atentarmos à expectativa que criamos no outro, visto que o princípio da boa-fé se trata de um dever anexo ao contrato, nos termos do artigo 422, do Código Civil Brasileiro.
“Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
Nesse sentido nos ensina o jurista Clóvis Veríssimo do Couto e Silva:
“Os deveres resultantes do princípio da boa-fé são denominados deveres secundários, anexos ou instrumentais. Impõe-se, entretanto, cautela na aplicação do princípio da boa-fé, pois, do contrário, poderia resultar verdadeira subversão da dogmática, aluindo os conceitos fundamentais da relação jurídica, dos direitos e dos deveres”.
A boa-fé contratual possui tríplice função, vez que a boa-fé objetiva deverá ser interpretativa dos negócios, nos termos do artigo 113, do Código Civil Brasileiro; limitativa quanto aos comportamentos abusivos das partes, conforme dispõe o artigo 187, do Código Civil, e geradora de deveres anexos.
A função de interpretação da boa-fé objetiva servirá, portanto, como forma de preencher lacunas eventualmente localizadas nos negócios jurídicos, servindo, ainda, de parâmetro para elucidar obscuridades ou como forma de eleger qual melhor caminho a ser seguido nos casos de contradição das cláusulas contratuais. (MACHADO, 2011, p.27)
Das fases do processo contratual
O processo contratual não é composto apenas pelo contrato em si, mas sim por diversas fases. A denominada fase pré-contratual é parte de importante destaque no processo, visto que é nessa fase que as partes irão depositar seus desejos e expectativas diante do negócio futuro.
Desta forma, é facultado às partes a elaboração de documentos que antecedam o contrato em si, a fim de traçar as regras de negociação e registrar o andamento das negociações, sendo importante destacar que, nessa fase, caso não seja de interesse de uma das partes, não haverá obrigatoriedade de contratar futuramente. É critério das partes a elaboração de documentos pré-contratuais que assegurem e documentem seus próprios interesses.
Importante ressaltar que durante as negociações preliminares é necessário observar se a vontade das partes coincide com o que será executado no contrato, posto que a interpretação poderá ocorrer de forma equivocada por uma das partes em relação ao que, de fato, será contratado, ensejando uma eventual responsabilidade cível ante a expectativa frustrada do outro.
Outrossim, os artigos 462 e 464, ambos do Código Civil Brasileiro, dispõem que as partes poderão formalizar um contrato preliminar, o qual figurará como uma promessa de contratar e, portanto, possuirá força coercitiva, devendo, assim, as partes estarem em comum acordo quanto a elaboração de um contrato futuro, bem como quanto aos elementos que farão parte do contrato, visto que o contrato preliminar cria obrigação entre as partes, com força executiva, independentemente da existência de solenidade.
Cumpre esclarecer que a execução forçada do contrato preliminar é o direito da parte de exercer seu direito de credora, pleiteando o recebimento daquilo que efetivamente contratou e não como forma de prestação pecuniária em contrapartida ao não cumprimento da obrigação.
Outro ponto a ser destacado é a desnecessidade de registro do contrato preliminar, no entanto, atualmente, o Supremo Tribunal de Justiça entendeu que o registro servirá tão somente para eficácia em relação a terceiros, nos termos da Súmula 239: “O direito de adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”.
Outrossim, ultrapassada a fase pré-contratual, tem-se a fase contratual, na qual as partes darão cumprimento ao contrato, ou seja, haverá a gestão do desenvolvimento do contrato.
Portanto, na execução da prestação principal do contrato, além dos deveres principais, haverá os anexos e os laterais. Destaque-se que a mera execução da obrigação principal não atenderá os interesses do credor, impondo-se o dever de adoção de uma conduta que caminhe em direção ao princípio da boa-fé.
Do tempo de pagamento da prestação: Em regra, nos termos dos artigos 331 e 333, ambos do Código Civil, a prestação deverá ser executada no tempo e local previstos entre as partes anteriormente.
No entanto, o artigo 333, do Código Civil, dispõe as situações autorizadoras do vencimento antecipado da obrigação, in verbis:
“Art. 333, CC/02: Ao credor assistirá o direito de cobrar a dívida antes de vencido o prazo estipulado no contrato ou marcado neste Código:
I – no caso de falência do devedor, ou de concurso de credores;
II – se os bens, hipotecados ou empenhados, forem penhorados em execução por outro credor;
III – se cessarem, ou se se tornarem insuficientes, as garantias do débito, fidejussórias, ou reais, e o devedor, intimado, se negar a reforçá-las.
Parágrafo único. Nos casos deste artigo, se houver, no débito, solidariedade passiva, não se reputará vencido quanto aos outros devedores solventes”.
Importante salientar que caso o devedor passe a realizar o cumprimento da obrigação em local diverso ao anteriormente pactuado, de forma corriqueira, ocorrerá a renúncia presumível do local anteriormente indicado, ocorrendo o instituto denominado “supressio”, nos termos do artigo 330, do Código Civil: “O pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato”.
Da eficácia do contrato quanto a terceiros: É certo que a eficácia dos contratos é, em regra, inter partes, e os contratos se submetem ao princípio da relatividade, portanto, a relação jurídica é atrelada às partes, devedor e credor, e não de forma erga omnes. (MACHADO, 2011, p.53)
Ocorre que, em algumas hipóteses, o contrato poderá atingir terceiros, a exemplo, na estipulação em favor de terceiro, que é quando uma das partes indica um terceiro estranho a contratação como beneficiário do contrato; na promessa de fato de terceiro, cujo objeto será a prestação de um fato por um terceiro não contratante; e o contrato com pessoa a declarar, comumente utilizado a fim de evitar a especulação imobiliária, tratando-se de uma cláusula inserida no contrato “em branco” a ser posteriormente preenchida por pessoa a declarar.
Da garantia prestada por terceiro: As garantias que visam, em suma, assegurar eventual inadimplemento do contrato se dividem em duas espécies: fidejussórias ou reais.
As garantias fidejussórias são as garantias pessoais, nas quais não há um bem específico, mas sim o patrimônio do terceiro, com vistas a assegurar a obrigação de pagamento, a exemplo, o aval e a fiança.
Em contrapartida, as garantias reais são vinculadas a um bem em específico, o qual permanece vinculado à satisfação da obrigação e são previstas em lei, em rol taxativo: penhor, anticrese e hipoteca.
Portanto, embora o terceiro não integre o contrato principal, o contrato surtirá efetivos sobre o garantidor em razão da garantia prestada.
Ultrapassado a gestão do contrato, em regra, a via natural de extinção do contrato é o adimplemento das obrigações pactuadas, ou seja, o integral cumprimento das obrigações assumidas por ambas as partes.
Ocorre que existem situações que ensejam a extinção contratual antes do cumprimento da obrigação, denominadas: a) Causa antecedente de extinção, aquelas que ensejam a anulação do contrato, tais como o vício redibitório e vício de consentimento; b) Causa superveniente de extinção, também conhecido como distrato, podendo ser bilaterais ou unilaterais (resilição), visto que são fruto de um exercício potestativo das partes, assim, significa simplesmente dizer que uma das partes não possui mais interesse ou ambas as partes perderam o interesse na manutenção do contrato.
Em síntese, no distrato bilateral as partes estão em comum acordo, assim, apenas deverão ser observadas as restrições ao exercício da liberdade de distratar, relacionados à ordem pública, respeitando eventual necessidade de forma especial e a função social.
Oportuno destacar que caso a desistência ocorra após as arras ou sinal, aplicar-se-á a regra do artigo 420, do Código Civil Brasileiro:
“Art. 420. Se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para qualquer das partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória. Neste caso, quem as deu perdê-las-á em benefício da outra parte; e quem as recebeu devolvê-las-á, mais o equivalente. Em ambos os casos não haverá direito a indenização suplementar”.
Deste modo, desde que as arras ou sinal não sejam excessivos, a desistência imotivada acarretará na perda integral das arras ou sinal e, por consequência, o não prosseguimento da relação contratual.
Destaque-se, ainda, que é autorizada a desistência após o início da execução do contrato desde que prevista em cláusula própria, sem prejuízo de eventuais penalidades compensatórias.
Noutra linha, a resilição unilateral ou denúncia são situações autorizadas por lei, mediante denúncia notificada à parte. A simples exemplo, nas relações locatícias é possível a resilição unilateral, desde que observadas as exigências quanto ao prazo mínimo de locação; em contrapartida, a resolução contratual ocorre por motivação por causas legais, posto que sua extinção decorre de circunstância superveniente.
Tem-se, ainda, que as partes podem estipular previamente em contrato as cláusulas resolutivas, denominadas de convencionais, visto que são introduzidas de comum acordo como condição de resolução ao negócio; e a causa juridicamente legítima, quando a resolução é motivada pelo inadimplemento, convertendo-se em perdas e danos.
Importante esclarecer que, na linha da extinção contratual, a simples mora, desde que não afete consideravelmente o cumprimento e o termo inicial não for essencial à utilidade da prestação, não ensejará a extinção do contrato, mas simples encargos moratórios. Todavia, quando o atraso for substancial, poderá ocorrer o inadimplemento absoluto ou a resolução do contrato.
É certo queo inadimplemento do contrato ultrapassa o não pagamento das prestações, levando em conta o fato de que o devedor não poderá frustrar as expectativas legítimas do credor; sob pena de ocorrer o inadimplemento do contrato, estendendo-se ao adimplemento do contrato os deveres laterais e anexos.
O inadimplemento contratual consiste, em suma: o inadimplemento temporário, o qual poderá ser inserido junto ao contrato por meio de cláusulas prevendo os casos de inadimplemento temporário, cuja penalidade será a mora, através de cláusulas penais moratórias ou cláusulas penais compensatórias; bem assim o inadimplemento definitivo que é absoluto e enseja o término da relação contratual, nesse segundo, o próprio instrumento contratual deverá conter cláusulas resolutivas expressas com previsão das penalidades.
Em regra, as cláusulas penais são adotadas de duas formas: como mecanismo de pressão/coerção para o adimplemento contratual, denominada de cláusula penal moratória; ou como prefixação de eventuais perdas e danos e, nesse ponto, importante destacar que, havendo previsão em contrato, inexiste a necessidade de comprovação de prejuízo, considerando que está devidamente pactuado no instrumento o valor indenizatório a ser pago à parte prejudicada, denominada, portanto, como cláusula penal compensatória.
Destarte, ainda que o contrato esteja extinto, necessário se faz observar a denominada fase pós-contratual que visa a garantir o cumprimento após a extinção contratual, vez que as partes não poderão adotar uma conduta que seja na contramão da boa-fé.
Desta forma, tratando-se de direito contratual, é indispensável atender aos princípios da probidade e da boa-fé, a fim de adotar uma conduta que não prejudique a outra parte, inclusive, a expectativa criada por ela ante o comportamento adotado durante todas as fases contratuais.
O contrato é, portanto, fruto da vontade das partes, com objetivos em comum, mas sobretudo vinculado às normas de ordem pública e, pese embora vigore o princípio da liberdade contratual, tal autonomia encontra seus limites no interesse da coletividade, levando em conta que o contrato deverá atender à sua função social e a boa-fé.
Assim, compostos por condutas sucessivas e diversas fases: pré-contratual, execução do contrato e pós-contratual, a adoção de um comportamento ligado à boa-fé prevalecerá em todas as etapas.
Por Amanda Azevedo Rodrigues
Referências Bibliográficas
MACHADO, André Roberto de Souza. Direito Contratual. Direito Contratual, Fundação Getúlio Vargas, p. 1-88, 26 maio 2011.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Centro Gráfico, 1988.
ABREU, Marcus Vinicius Vasconcelos. O que é Escada Ponteana e a sua importância para advogados. O que é Escada Ponteana e a sua importância para advogados, Aurum, 16 out. 2020. Disponível em: https://www.aurum.com.br/blog/escada-ponteana/. Acesso em: 18 jun. 2021.