“DIREITO SISTÊMICO: OS RUMOS DA ADVOCACIA HUMANIZADA”.

Sérgio de Oliveira Silva Júnior

Advogado, Professor Universitário e Mestre em Direito

Mayra Pollo de Oliveira Silva

Advogada, Especialista em Direito Civil

Diante de um Judiciário sobrecarregado, com decisões muitas vezes conflitantes, nem sempre “justas” sob a ótica das consequências para as partes envolvidas, a necessidade de se analisar os conflitos sob uma perspectiva mais humanizada, facilitando alguns caminhos para sua real e profunda compreensão, tem se tornado cada vez mais importante.

Na análise de casos concretos, questões internas dos indivíduos envolvidos e sentimentos destas decorrentes, têm-se mostrado importantes para o deslinde de conflitos. Estas interferências atuam diretamente no andamento de muitos dos casos e na própria instauração de um processo. Da mesma forma, podem ditar o tempo de duração sub judice e a possibilidade ou não de acordos, os quais, em sua maioria, poderiam atender aos anseios de ambas as partes em um menor espaço de tempo. Mesmo a probabilidade de resoluções extrajudiciais também são influenciadas por sentimentos e paradigmas trazidos pelas partes envolvidas.

Diante deste contexto e numa análise mais ampla dos conflitos, a habilidade dos operadores do Direito não poderia mais ficar restrita à técnica jurídica, muito embora esta seja o objetivo central de todo o estudo dentro das universidades. Todavia, como em quase todas as carreiras tem ocorrido, vê-se uma necessidade crescente do profissional em apurar sua Inteligência emocional a fim de apresentar melhores resultados dentro do “produto” a ser entregue, no nosso caso, a solução de um caso concreto. Dentro do Direito então, emergiram possibilidades além dos processos, como a Mediação, Conciliação e a chamada Advocacia Colaborativa, chegando-se por fim, ao tema Direito Sistêmico, o qual poderíamos comparar a uma veia que pode conduzir a estas outras formas de atuação, independentes entre si, com terminações, técnicas e sistemáticas diferentes, porém, com um mesmo intuito: a paz entre as partes.

Dados de 2019 apontam que mais de 12% dos processos judiciais foram solucionados através da conciliação, utilizada oficialmente desde 2006, mostrando que aos poucos, uma análise diversa acerca dos conflitos vem chegando a um maior número de pessoas, as quais, por vezes, poderiam ver somente o processo judicial como forma de solução prática. Nada mais apropriado ao Direito, ciência humana em constante movimento para trazer boas soluções e, sobretudo, pela influência que exerce dentro de uma sociedade, viabilizar a paz, a pacificação social.

O chamado Direito Sistêmico é modelado através de toda a teoria escrita e vivida por Bert Hellinger, filósofo, teólogo e padagogo alemão, falecido em setembro de 2019, que desenvolveu as conhecidas Constelações Sistêmicas, as quais têm por fundamento a análise do conflito pelas próprias partes envolvidas que assumem sua posição de forma efetiva. Neste ponto, o papel do advogado é fundamental na atuação técnica processual, bem como, na condução dessa compreensão, a qual não se sobrepõe ao seu papel de operador do Direito, mas somente o complementa para que aquela solução tenha de fato, uma identidade com a busca das partes. A postura sistêmica do advogado passa a ser fundamental para a boa resolução, que efetivamente irá satisfazer os envolvidos, além de não permitir que o profissional seja imerso em um contexto que não lhe pertence, mas está sob sua condução jurídica. Chega-se assim à uma atuação madura e firme, onde os conflitos pertencem às partes, sendo estas, diretamente impactadas por cada decisão, por cada passo, cada andamento processual. A técnica do profissional, jurídico-processual é abrilhantada pelo toque humanizado, conferindo um tom único e diferenciado em sua atuação, contrariando aqueles que pensam ser um desprestígio ao operador do Direito o uso dos conhecimentos sistêmicos.

 No Brasil, a expressão Direito Sistêmico foi criada pelo Juiz de Direito Sami Storch, do Tribunal de Justiça da Bahia, estudioso que conferiu força ao movimento ao aplicar de forma pioneira as técnicas das constelações nos processos em trâmite em sua comarca, tornando-se defensor dos efetivos resultados obtidos. Para o Direito Sistêmico quando não nos posicionamos da forma adequada enquanto profissionais, permitimos ser inseridos no conflito e emaranhados, não temos condições de entregar o melhor resultado, assumindo a postura dos envolvidos e não nos limitando ao auxílio, real motivo de nosso trabalho e função. O advogado é um técnico, estudioso, que munido dos conhecimentos sistêmicos permite que de fato, o problema seja solucionado e o cliente seja liberto de todo aquele desgaste causado por uma disputa judicial.

Importante destacar que, embora o Direito Sistêmico tenha uma tendência para a condução consensual, não se vê sua efetividade e aplicação somente em casos extrajudiciais ou acordos. Pelo contrário. Estudiosos da área entendem como sendo uma exclusão das instituições quando isso ocorre a todo custo, quando o profissional assim impõe, de modo que, em muitos casos, as partes necessitam que seu caso seja submetido à apreciação de um Juiz de Direito e, quando isso ocorre, o Judiciário faz parte. Não se trata de um método não adversarial em regra, como ocorre na chamada Advocacia Colaborativa.

Não se tratar de uma nova área do Direito com normas já estabelecidas e, da mesma forma, não se trata também de uma obrigação, certo ou errado. Não se pretende romper com o chamado “tradicional”, mas tão somente refletir sob uma perspectiva diferente, com maior sensibilidade e acolhimento em relação ao outro. Ao contrário de um rompimento, as palavras principais são conexão e paz, estabelecidas através de um equilíbrio.

Complementando o conceito, nas palavras de Sami Storch:

“O direito sistêmico é uma nova forma de olhar o conflito, pelo qual só há direito quando a solução traz paz e equilíbrio para todo o sistema, pois o desequilíbrio de qualquer pessoa do sistema se reflete em todos do sistema, de maneira que não existe uma solução para apenas um elemento isolado”. (op. Cit., “O futuro humanizado do Direito”, São Paulo: Literare Books Internacional, 2020, p. 88).

Trata-se, portanto, de uma verdadeira releitura de nossa atuação e dos conflitos, com foco naquilo que não está evidente, mas que pode refletir de forma decisiva na condução de uma solução. Para isso, é necessário um aprofundamento nas técnicas de negociação, escuta ativa, na chamada CNV – Comunicação Não Violenta, criada por Marshal Rosemberg, estudadas nas práticas de Mediação e Conciliação, fundamentais nos dias atuais onde se aborda com tanta ênfase a empatia e a compreensão do “outro lado”. Através da CNV buscamos uma comunicação efetiva, que conecta e acolhe, exatamente como propõem os estudos de Bert. O Direito não poderia estar de fora. É o que propõe o Direito Sistêmico. De forma indireta, as técnicas de Mediação trazem seus conceitos sem adentrar especificamente ao tema, de modo que sua importância vem emergindo desde outros conceitos, já pensados há mais tempo do que sua própria criação na literatura jurídica.

O mesmo se observa nos caminhos trilhados pela já mencionada “Advocacia Colaborativa”, método não adversarial, extrajudicial e multidisciplinar para a gestão de conflitos, criada em 1990 pelo advogado norte americano Stuart Webb, que teve a sensibilidade de perceber os efeitos danosos dos processos nas relações familiares, nas quais, por óbvio, as questões internas dos indivíduos envolvidos ficam latentes. Por isso, nesse conceito, sequer falamos em “resolução” de conflitos, mas sim, “gestão”, com a efetiva colaboração entre os advogados e as partes representadas, todos visando um verdadeiro “ganha ganha”, assumindo seus papeis de forma a responsabilizarem-se não apenas com obrigações assumidas, mas também na compreensão de como se chegou àquele conflito. Exatamente no conceito de autorresponsabilidade e auto análise propostos pelos ensinamentos sistêmicos.

Tanto na aplicação dos conceitos sistêmicos ao Direito quanto na Advocacia Colaborativa, não se buscam culpados. Não se faz necessário estabelecer um contraponto, um responsável, mas compreender as dinâmicas ocultas dentro de um contexto, seja ele familiar, de trabalho ou mesmo criminal.

Sem adentrar aos temas específicos de aplicação em cada caso, o alívio dessa buscada “culpa” e a autoanálise das partes, possibilitando curas interiores e não apenas uma material solução de um conflito, certamente são os pontos que vêm despertando o interesse de quem atua em processos que, muitas vezes, causam efeitos devastadores nos indivíduos, apesar de um “bom” resultado. Como cita a famosa escritora norte americana Brené Brown, em uma de suas palestras, onde relata a definição de culpa, como sendo descarregar no outro dor e desconfortos”. (Disponível no site www.ted.com).

Para os conceitos sistêmicos, em grande parte dos casos submetidos à apreciação do Judiciário, partes buscam ser vistas, busca-se a “culpa de alguém”, expondo indiretamente dores e irresignações que as acompanham e que vão muito além do conflito em si, dos fatos então discutidos e que, muito mais que uma sentença, precisam de cura, de libertação. Nos casos de família as feridas ficam visíveis e latentes.

Apesar de ser um tema aparentemente novo ou mesmo parecendo até utópico, tais conceitos vêm sendo buscados na prática, tendo resultados que colaboram de forma efetiva com os avanços para o Direito e um Judiciário mais humanizado. Não por acaso, temos acompanhado a necessidade crescente de se trabalhar, não apenas na área jurídica, a inteligência emocional e a empatia.

Para Fabiana Quezada:

“O advogado tem um papel social, e sua função é facilitar uma boa solução às partes, que beneficiará muitos sistemas”. (in: “Pensamento Sistêmico – Abordagem Sistêmica Aplicada ao Direito”, São Paulo: Ed. Leader, 2019, p. 19).

Especificamente no que tange às composições extrajudiciais, as quais devemos recorrer quando há possibilidade, tiveram início com a reforma do Judiciário através da Emenda Constitucional n. 45 de 2004, quando formalmente discussões sobre a pacificação social tomaram forma, notadamente com a instituição do CNJ – Conselho Nacional de Justiça e do mesmo conselho ao Ministério Público (CNMP).

Em 2010, o CNJ editou a Resolução 125/10, dispondo sobre a Política Judiciária de tratamento adequado dos conflitos, instituindo os chamados MASC’s (Métodos Adequados de Solução de Conflitos), trazendo de forma expressa a possibilidade de aplicação da Mediação e Conciliação, estabelecidas também no artigo 3º, §3º do Código de Processo Civil. O mesmo CNJ editou em 2016 a Resolução 225, contemplando a importância da Justiça Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário.

Conforme destacado, não há obrigatoriedade, não há certo e errado, mas há sim a solução que cada cliente busca e o papel do advogado é também fazer esta análise, estando o Direito Sistêmico ao nosso dispor para isso. O caminho ainda é longo e irá demandar certa mudança de padrões a ser iniciado dentro dos bancos das faculdades, onde nossa formação tem início e ainda não se tem o enfoque humanista necessário ou talvez numa abordagem adequada. Na questão específica da prática na advocacia os conceitos sistêmicos propõem uma posição adequada, equilibrada. Acolhimento, empatia e uma solução de paz, considerando que a empatia não surge no “tomar para si o problema do cliente”, se indispor a qualquer custo (inclusive com colegas). Definitivamente não é a nossa melhor saída. Para se ter empatia é fundamental a distância, a perspectiva, analisando não da nossa forma, sob o parâmetro do que nos fere, mas sim, entender os parâmetros alheios e então, como profissionais da ajuda que somos, efetivamente solucionar determinado conflito. Eis o começo e o convite.

BIBLIOGRAFIA

QUEZADA, Fabiana; ROMA, Andréia (Coord).  Pensamento sistêmico: Abordagem Sistêmica Aplicada ao Direito.  São Paulo: Leader, 2019.

HELLINGER, Bert.  Ordens do Amor.  São Paulo: Cultrix, 2019.

HELLINGER, Bert.  O Amor do Espírito.  Belo Horizonte: Atman, 2020.

STORCH, Sami.  A origem do Direito Sistêmico.  Brasilia: Tagore, 2020.

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