A PENHORA DE IMÓVEL E A PROTEÇÃO AO BEM DE FAMÍLIA

Autora: Ariane Aparecida Dal’Col

A penhora de bem imóvel é um dos institutos típicos do processo de execução, sendo uma das possibilidades de constrição judicial previstas em nosso ordenamento jurídico, a fim de garantir e satisfazer o débito.

Após a regular citação do devedor nos autos de execução, ou ainda, se intimado nos autos de cumprimento de sentença, não proceder com o pagamento do débito no prazo determinado, serão iniciadas medidas constritivas, objetivando a localização de eventuais valores ou bens de sua titularidade.

A penhora a ser realizada deve observar o rol de preferência constante no artigo 835 do Código de Processo Civil.

Dentre as principais espécies deste instituto estão a penhora de valores, podendo ser em espécie, depósito ou aplicação em instituição financeira; a penhora de veículos; de bens imóveis; bens móveis; e ainda, de direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia.

O parágrafo primeiro do artigo supra, dispõe que a penhora em dinheiro é prioritária, todavia, faculta ao juiz alterar a ordem das demais, de acordo com as circunstâncias do caso concreto.

Desta forma, a preferência legal expressa no caput do artigo 835, poderá ser flexibilizada e ocorrer a inversão da ordem elencada nos incisos, conforme as necessidades de cada caso, visando efetivar a tutela jurisdicional, sem impor onerosidade desnecessária ao processo.

Assim, inicialmente, é tentada a penhora online, a qual consiste no bloqueio de eventuais saldos e/ou aplicações financeiras existentes em nome do devedor, via SisbaJud, objetivando o adimplemento da obrigação assumida.

Após, se infrutífera a penhora online ou esta for insuficiente para saldar o débito, caso seja observado o rol de preferência do artigo 835, poderá ser realizada pesquisa de eventuais veículos registrados em nome do devedor, via RenaJud, sendo que, restando positiva a busca, geralmente, é determinado o pertinente registro de restrição judicial e o respectivo bloqueio de transferência dos veículos eventualmente localizados.

Concomitantemente, poderão ser colacionadas aos autos, em pesquisa via sistema InfoJud, as últimas Declarações de Imposto de Renda do executado, na tentativa de localização de eventuais bens registrados em seu nome.

Por fim, caso as referidas pesquisas resultem negativas, ou insuficientes para quitar o débito, é possível a realização de pesquisa junto aos Registros Imobiliários, via sistema ARISP, a fim de obter informações acerca de eventuais imóveis registrados em nome do devedor.

A penhora de bem imóvel pode ser realizada em diversas modalidades, dentre elas:

  • a penhora da integralidade do bem, quando este pertencer totalmente ao devedor;
  • a penhora de fração ideal, quando o devedor não for o único proprietário;
  • a penhora de nua-propriedade, quando o imóvel estiver gravado com usufruto;
  • a penhora dos direitos de aquisição, quando o bem estiver alienado fiduciariamente.

O juiz analisará o pedido de penhora do bem em questão, e, ao deferir, determinará, imprescindivelmente, a intimação do devedor e eventual cônjuge, bem como coproprietários para que tomem ciência do ato praticado, e para, caso queiram, apresentar impugnação acerca da constrição, a fim de evitá-la.

Não havendo qualquer manifestação dos interessados ou, sendo rejeitada a impugnação apresentada, a penhora será efetivada mediante pertinente registro na matrícula do imóvel.

No Estado de São Paulo, este registro é procedido mediante sistema ARISP (Associação de Registros Imobiliários do Estado de São Paulo), após o pagamento das custas necessárias, as quais variam conforme o caso. Insta salientar que, os beneficiários da justiça gratuita possuem isenção das custas e emolumentos, tendo em vista a extensão da gratuidade deferida aos emolumentos devidos aos notários e registradores.

O imóvel, todavia, poderá ser considerado impenhorável quando tratar-se de bem de família, nos termos do artigo 1º da Lei nº 8.009/90, o qual dispõe que:

Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.

O instituto do bem de família surge no momento em que a Constituição Federal, em seu artigo 226, assegura especial proteção à família, reconhecendo o direito à moradia como direito social, conforme dispõe o artigo 6º, bem como a casa como asilo inviolável do indivíduo, de acordo com o artigo 5º, inciso XI.

O direito à moradia é considerado um dos direitos da personalidade inerente à pessoa humana, seja como pressuposto do direito à integralidade física, seja como elemento da estrutura moral da pessoa.

Nesse sentido, a lei dispõe mecanismos para defender o local em que a entidade familiar reside, a fim de garantir o direito constitucional.

Insta salientar, que o conceito de entidade familiar é amplo e, portanto, refere-se ao ser humano, podendo, inclusive, o devedor morar só, tendo ou não uma família.

Há duas modalidades de bem de família, a legal e a voluntária.

A modalidade legal, como o próprio nome sugere, é instituída pela própria lei. Neste caso dar-se-á a impenhorabilidade do bem pelo simples fato de o devedor residir no local, sendo este seu único imóvel.

Já a modalidade voluntária, decorre da vontade do proprietário do imóvel ou de terceiros. O bem de família voluntário pode ser instituído através de escritura pública ou testamento, entretanto, deve atender os requisitos previstos nos artigos 1.711 a 1722 do Código Civil.

A impenhorabilidade do bem de família pode ser alegada a qualquer tempo ou grau de jurisdição, haja vista sua natureza de ordem pública.

De outra parte, há entendimento jurisprudencial no sentido de que pode ser afastada a impenhorabilidade do bem de família se houver violação do princípio da boa-fé objetiva.

Assim, se o devedor conceder o imóvel em garantia, não poderá, posteriormente, invocar o instituto do bem de família, alegando que o bem é impenhorável.

Nesse sentido, inclusive, é o entendimento da ministra Nancy Andrighi, ao explicar seu voto no REsp 1.782.227: “Não se pode olvidar da máxima de que a nenhum é dado beneficiar-se de sua própria torpeza, isto é, não pode o devedor ofertar bem em garantia que é sabidamente residência familiar para, posteriormente, vir a informar que tal garantia não encontra respaldo legal, pugnando pela sua exclusão”.

Desta maneira, caso o devedor oferte o imóvel, bem de família, como garantia da dívida, a penhora será legal, tendo em vista que o devedor tem o direito de dispor livremente sobre seu bem.

Tratando-se, ainda, de suposta caracterização de bem de família de verdadeiro fato constitutivo do direito pleiteado, incumbe ao devedor sua efetiva demonstração, o qual não pode socorrer-se, apenas, à mera invocação genérica do instituto.

A jurisprudência pátria, a respeito do ônus da prova em alegação de impenhorabilidade de bem de família, é uníssona, portanto, o devedor deverá se desincumbir do ônus da prova de demonstrar que o imóvel sub examine é propriamente um bem de família, caso contrário, a penhora será efetivada.

Logo, em sua impugnação, o executado deverá juntar comprovante documental que, efetivamente, demonstre a impenhorabilidade e que este seria seu único bem imóvel.

A impenhorabilidade não será reconhecida caso o único bem do devedor esteja desocupado no momento da penhora, tendo em vista que, nesta hipótese, o imóvel não estará atendendo ao propósito protetivo do instituto.

A penhora também poderá recair sobre a nua propriedade, ou, ainda sobre os direitos aquisitivos.

No primeiro caso, de acordo com entendimento jurisprudencial, é possível a penhora e alienação da nua-propriedade, ficando resguardado o direito real sobre o usufruto, tendo em vista que o nu-proprietário conserva seu domínio à substância da coisa, que lhe confere a disponibilidade do bem nas formas permitidas por lei.

O instituto do usufruto e o da nua propriedade, embora sejam vinculados, não se confundem, pois, a nua-propriedade pode ser objeto de alienação e constrição, e, consequentemente, ser objeto de penhora, desde que resguardado o direito real do usufruto até a sua extinção.

Em que pese a existência de usufruto, nada obsta que eventual terceiro tenha interesse na alienação da nua-propriedade do imóvel, ou, ainda, se houver coproprietário, que este tenha interesse em aumentar sua fração ideal, adquirindo a parte ideal penhorada.

Ora, não se pode olvidar que a penhora da fração ideal de nua-propriedade representa medida que visa dar efetividade à execução, não sendo crível negar ao credor o direito de buscar a satisfação de seu crédito através dessa espécie de constrição.

Já no segundo caso, em que o imóvel é alienado fiduciariamente, é pacífico o entendimento dos Egrégios Tribunais acerca da possibilidade de penhora dos direitos do devedor fiduciante oriundos de contrato de alienação.

Neste caso, é possível também requerer que eventual restituição, total ou parcial, de valores cabíveis ao devedor, seja diretamente depositada nos autos, a fim de garantir a eficácia da medida executiva.

Destarte, é possível concluir que, de acordo com os princípios e direitos constitucionais, caso o imóvel seja bem de família, este deve ser resguardado, observando-se a proteção constitucional, todavia, há exceções, conforme as mencionadas neste artigo.

Referências bibliográficas:

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, Editora Juspodivm, 14ª edição, 2021, p. 760-774.

PEIXOTO, Ulisses Vieira Moreira. Novo Código de Processo Civil, Comentado artigo por artigo e aplicado na prática.1ª ed. São Paulo: Editora Cronus, 2015.

https://ribeirorocha.com.br/artigo/a-nova-ordem-preferencial-de-bens-penhoraveis-e-os-impactos-na-atividade-empresarial. Acesso em 18.03.2021.

https://www.conjur.com.br/2019-nov-25/bem-familia-penhorado-houver-violacao-boa-fe. Acesso em 18.03.2021.