CONSULTA FISCAL COMO CAUSA DE SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

INTRODUÇÃO

Cada vez são maiores e mais complexos os deveres que a lei encomenda ao obrigado tributário. Todavia, quem tem a obrigação de cumprir os mandamentos da lei deve gozar de um mínimo de certeza em suas ações, evitando escolhas incorretas e, por conseguinte, as sanções delas decorrentes. É nesse âmbito que surgem as consultas fiscais.

As consultas fiscais são institutos bastante utilizados por contribuintes que apresentam dúvidas referentes aos procedimentos regulamentados e adotados pelos diversos órgãos públicos espalhados pelo país, sendo necessário, portanto, esclarecimentos acerca de composição ou exigência dos créditos tributários.

No que tange ao crédito tributário, embora a consulta fiscal seja um instituto bastante utilizado, do ponto de vista do fisco ela não é suficiente para suspender tal exigibilidade, obrigando, assim, o contribuinte ao cumprimento de suas obrigações, independentemente de dúvida.

Devido ao posicionamento do fisco, em exigir a execução do crédito tributário, mesmo estando esse sob processo de consulta, necessário se pontuar os efeitos da consulta fiscal e a sua aplicabilidade no Direito Tributário.

O Instituto da Consulta Fiscal

Considerando a complexidade da legislação tributária brasileira e as dúvidas que surgem ao contribuinte quando existe a necessidade do pagamento de determinado tributo, foi colocado a sua disposição o processo de consulta fiscal, como forma de sanar as dúvidas acerca do recolhimento de determinado tributo perante a Autoridade Administrativa.

Diante de inúmeras Leis, Decretos, Circulares, Portarias, Instruções Normativas, entre outras, os contribuintes que têm a obrigação de satisfazer toda essa legislação se encontra, em muitas ocasiões, frente às situações de incerteza e dúvida de como se deve proceder em cada caso. Nesse momento, a consulta fiscal se mostra de uma eficácia muito grande a esses contribuintes.

 A consulta fiscal, atualmente, é um instituto jurídico de grande relevância no Direito Tributário e nota-se o quanto sua utilização tem aumentado junto às Autoridades Administrativas, haja vista que os contribuintes não mais se dispõem, simplesmente, a pagar suas obrigações nos casos de incerteza.

Surgindo a incerteza, portanto, surge a dúvida, e a dúvida pressupõe insegurança. Dessa forma, se a norma jurídica gera dúvida, ela atenta contra a segurança jurídica. Norma pouco clara é, por definição, insegura, como bem observa César Garcia Novoa: “una de las más elementares expressiones de la seguridad jurídica es la exigencia de que la norma positiva, concretamente formulada dede la perspectiva formal, sea clara”.[1]

Com fundamento em tal afirmação, fica evidente, então, a necessidade de se ter uma norma clara, que não deve afrontar o princípio da segurança jurídica. O ideal é que, em se tratando de norma não clara, que seja reescrita de forma a não suscitar dúvidas ou, então, que seja esclarecida por uma norma interpretativa ou mesmo, em alguns casos, complementada por ato de efeitos normativos, destinados a afastar a dúvida.

 Esse instituto é facultativo ao contribuinte e, quando utilizado: o que se persegue é a informação do entendimento da Administração Pública quanto ao modo de aplicação de determinada regra tributária a um fato. É a informação que constitui objeto do direito. Sem dúvida que, para obtê-la, haverá o interessado que solicitá-la e, para isso, necessitará de reconhecimento do seu direito de pedir, de se dirigir à Administração com o objetivo de reclamar destas alguma providência.[2]

Uma distinção importante que deve ser apresentada refere-se ao objeto e ao objetivo da consulta. Conforme já apresentado acima, o objetivo da consulta é esclarecer as dúvidas que surgem ao contribuinte nos casos de dificuldade no entendimento e interpretação de determinada norma. É conhecer, portanto, o entendimento do Fisco a respeito da dúvida que se apresentou.

 Quanto ao objeto, esse se relaciona à matéria que será consultada. Portanto, todo conteúdo que diz respeito a um tributo poderá ser objeto de consulta, uma vez que os contribuintes apresentam interesse em saber a real interpretação fiscal de determinado dispositivo legal.

 O contribuinte que possui interesse em esclarecer suas dúvidas, conforme citado por Valdir de Oliveira Rocha, no parágrafo anterior, deve se deslocar até a Administração e protocolizar seu pedido, esperando receber desta uma decisão, em forma de resposta escrita. As consultas formuladas são encaminhadas, então, às equipes competentes para tal, que, devem retornar com as respectivas interpretações e soluções.

 Ao contribuinte cabe o direito de consultar a Administração. À Administração Pública, cabe o dever de responder, de decidir, objetivamente. Esta tem a obrigação de prestar ao contribuinte a orientação requerida, sendo tal orientação um dever de assistência que tem o Estado para com os cidadãos em geral.

 Vale lembrar que não existe um momento certo para que as dúvidas sejam apresentadas junto à Administração Pública. A dúvida pode surgir em qualquer momento, dessa forma, entende-se que as consultas possam ser apresentadas a qualquer tempo.

 Diferentemente do que se pode imaginar, a competência para responder às consultas fiscais é da Administração Pública, direta ou indireta, e não do Poder Legislativo, que edita as normas que motivam as consultas.

 Em se tratando de Administração direta, são habilitados a responder as consultas fiscais, acerca da legislação tributária, a Receita Federal do Brasil, bem como as Secretarias da Fazenda ou Finanças. No caso da Administração indireta, destaca-se como órgão habilitado para responder as consultas fiscais, por exemplo, o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.

Geralmente, para a atividade específica de responder consultas fiscais são formados no âmbito de tais órgãos departamentos consultivos, dotados de agentes administrativos tecnicamente capacitados. À falta de tais departamentos, a competência para responder à consulta é atribuída genericamente ao superior hierárquico do órgão (Delegado, Secretário da Fazenda ou Superintendente, conforme o órgão).[3]

 Importante assinalar que, em vista dos princípios da Legalidade e da Isonomia, a consulta solucionada por autoridade definida pela lei vincula a Fazenda à adoção desta como orientação fiscal geral.

Ultrapassada a fase recursal, a decisão posta como resposta da Administração, vinculará necessariamente a esta, pois, se assim não fosse, tudo não passaria de mero aparato, incondizente com o ordenamento jurídico que põe como inviolável o direito à segurança (…) de que são termos o direito de petição e o devido processo administrativo.[4]

Em outras palavras, concluindo por uma determinada interpretação, baseada em sua decisão, a Administração fica a ela vinculada e qualquer contribuinte que se encontrar em situação semelhante ao apresentado em consulta tem o direito de aproveitar de suas conclusões.

Formulada a resposta em atendimento à consulta apresentada, o entendimento começa a produzir efeitos a partir da sua comunicação ao consulente que a apresentou. A falta de comunicação da resposta ao referido consulente torna o processo sem sentido algum, uma vez que é essa comunicação que dá a publicidade do ato ao interessado.

A notificação ao consulente é, assim, pressuposto formal do ato de resposta, embora não suficiente à validade do ato (na medida em que outros pressupostos deverão ser atendidos), mas necessária para que se possa considerá-lo válido. A ausência de notificação, não obstante, é um vício sanável, pois não compromete o conteúdo do ato, mas tão somente a sua formalização.[5]

É ainda, a publicidade dos atos, o momento considerado, nos casos em que a legislação permitir, para a contagem do prazo para a interposição de recurso.

Fundamento Constitucional

Muito embora a possibilidade de consulta fiscal não estar expressamente prevista no texto da Lei, no que tange ao direito de pedir, este é assegurado a todos, com base no que dispõe o art. 5º, inciso XXXIV, letra a, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Se assim é, assegurada a todos, ninguém será excluído dessa garantia. Homens e mulheres, independentemente de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, podem exercê-la. Alias, mais do que isso: quaisquer pessoas (conceito eminentemente jurídico) podem dela fazer uso, assim as chamadas naturais (ou físicas) como as jurídicas. Todo sujeito de direito é titular do direito de petição.[6]

Esse direito de pedir consiste, de forma resumida, no poder de encaminhar às Autoridades Administrativas pedido de providência ou de intervenção, em razão de interesses, sejam eles pessoais ou coletivos, que estejam sendo violados de alguma forma, por ato ilegal emanado do abuso de poder.

Entende a corrente majoritária do direito, que a Consulta Fiscal teve origem nesse direito, qual seja, no ato do contribuinte em se dirigir até a Autoridade Administrativa para solucionar suas dúvidas acerca de determinado fato ou hipótese.

O direito de petição, garantido ao contribuinte, vincula à Administração Pública o dever de pronunciamento. Caso contrário, o direito constitucional de petição se de nada teria efeitos, uma vez que, caso contrário, na prática, seria como dizer que as Autoridades Administrativas receberiam em mãos todos os pedidos sem estarem obrigadas a analisá-los e solucioná-los.

É possível identificar, também, no instituto da consulta fiscal, os princípios constitucionais que dizem respeito ao contraditório e ampla defesa, na forma do artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal. Essa semelhança está relacionada na possibilidade dada aos contribuintes de manifestarem sua própria visão e opinião sobre os fatos e fundamentos impostos pela Autoridade Administrativa.

Todavia, diferentemente de tudo o que foi apresentado acima, existe posicionamento contrário a essa linda de raciocínio. Na linha contrária a esse pensamento: o direito de petição, como direito autônomo, instrumento de realização do devido processo legal ou meio residual de comunicação entre Administração e administrado, contém um direito a pedir, mas não um direito a obter o que se pede. (…). A Administração está efetivamente obrigada a responder, mas não está adstrita a dar, a reconhecer o direito pedido. Se quem pede tem direito ao que pede, então não se estará diante do exercício do direito de petição, mas de um outro qualquer, de conteúdo próprio, previsto normativamente que é em si o fundamento de validade do pedido.[7]

Com base na citada linha de raciocínio, essa corrente defende como fundamento constitucional o direito de assistência e informação, assegurado pelo artigo 5º, XXXIII, da Constituição Federal.

Esse pensamento, entretanto, ao meu ver, não deve prosperar. O direito segue linhas de raciocínio bastante complexas, entretanto, para mim é claro que o processo de consulta nasceu com base na direito de pedir. A partir do momento que o contribuinte protocoliza uma consulta junta à Administração Pública, ele está exercendo, claramente, esse direito de petição assegurado constitucionalmente. E mais: da mesma forma que os contribuintes possuem obrigações para com o Fisco, as Autoridades Administrativas também devem respeitar esse direito do contribuinte e se obrigarem a apresentar as respostas sim.

 Os contribuintes em geral, como elo mais fraco da relação com a Administração Pública, não possui condições de satisfazer suas dúvidas e, consequentemente, suas obrigações fiscais no caso de omissão dos referidos órgãos públicos.

O dever em se pronunciar para atender as consultas formuladas por contribuintes com incertezas tem relação direta com alguns princípios de suma relevância nesse instituto, dentre os quais: princípio da segurança jurídica, princípio da legalidade, princípio do devido processo legal, princípio da motivação e princípio da publicidade.

Consulta Fiscal: Processo e Procedimento

Como já apresentado acima, a consulta fiscal consiste na indagação do contribuinte, ao fisco, a respeito de situações legais de duvidoso entendimento, sendo que, o seu entendimento, poderá se dar do ponto de vista da União, dos Estados ou dos Municípios.

A consulta no âmbito federal, caracterizada como forma de procedimento administrativo tributário preventivo, consiste numa petição que o contribuinte espontaneamente dirige à autoridade fiscal federal, objetivando dirimir dúvidas quanto ao emprego e à interpretação de dispositivos de legislação tributária aplicáveis a determinado fato. [8]

No que tange aos tributos federais, quem estabelece os requisitos para a instauração, procedimento, julgamento e forma de interposição de recursos, relativos à consulta fiscal, é o Decreto nº 70.235/72, onde estão expressos, ainda, que a legitimidade para formular a consulta não é um instituto apenas do contribuinte que apresente dúvidas, mas, também, os órgãos interessados da Administração Pública e as entidades que representam determinadas categorias profissionais ou econômicas.

Com relação à consulta fiscal, no âmbito estadual, há variações entre cada Estado. Contudo, essas variações devem e respeitam a legislação federal.

 No âmbito estadual, vale destacar que as consultas deverão ser protocolizadas na repartição fiscal a qual estiver domiciliado o consulente, podendo, entretanto, serem protocolizadas na repartição de Consultoria Tributária, nas capitais.

Quanto ao âmbito municipal: pouco é encontrado sobre o assunto; mas o que importa realmente é que a consulta seja formulada obedecendo fielmente à situação fiscal do consulente e, se for o caso, seja acompanhada de documentos que auxiliem o Fisco na sua função de convencimento e dever de oferecer resposta adequada à situação factual do contribuinte”.[9]

Outra peculiaridade do processo de consulta é que o direito de formulá-la e apresentá-la à Autoridade Administrativa deverá ser exercido pelo próprio sujeito passivo da obrigação tributária, haja vista que envolve uma situação particular do sujeito passivo e que interessa apenas para ele. Assim, não cabe, portanto, a advogados formularem, em nome próprio, as consultas com o objetivo de solucionar dúvidas de seus clientes.

Entende-se como o sujeito passivo dessa obrigação, não importando ser ela principal ou acessória, a pessoa física ou jurídica da qual se exige a seu cumprimento. É aquele que, apontado pela norma legal, tem o dever tributário de cumprir com as obrigações.

Diferentemente dos advogados, entretanto, são as entidades de categoria econômica ou profissional. Referidas entidades têm legitimidade constitucional, embasada no artigo 5º, XXI, da Constituição Federal, para representar os interesses de seus afiliados, desde que haja expressa autorização deles. Aos sindicatos de categoria, no entanto, não há necessidade de autorização expressa para formularem consultas envolvendo seus associados.

“Com amparo na doutrina processual civil, é lícito dizer que tais entidades atuam como autênticas substitutas processuais na defesa dos interesses de seus integrantes. Por isso mesmo, a resposta à consulta formulada por entidade associativa ou sindicato aproveita a todos os filiados que estejam submetidos ao comando da regra consultada e que, portanto, tenham interesse jurídico nela”.[10]

Poderão existir casos, no entanto, em que alguma entidade filiada ou associada à entidade esteja impedida de formular consulta junto à Autoridade Administrativa. Essa situação, contudo, não se comunica com a entidade, que poderá, mesmo assim, formular a consulta. Os efeitos resultantes dessa consulta, porém, não poderão ser usufruídos pela filiada que estiver sofrendo algum impedimento.

A legitimidade para apresentação de consultas, por entidades representativas, está condicionada às dúvidas da sua coletividade. Sua legitimidade ficará comprometida em caso de apresentação de consulta sobre fato de interesse de apenas um dos seus afiliados, por exemplo.

 As consultas fiscais, mesmo quando formuladas por partes legitimadas, devem ser apresentadas de forma a terem validade. Independentemente da esfera, seja ela federal, estadual ou municipal, as consultas deverão ser apresentadas por escrito, consubstanciada de um suporte linguístico. Segundo a grande maioria dos doutrinadores, apenas as consultas escritas poderão produzir efeitos jurídicos. A forma escrita, dessa forma, é requisito fundamental para que as consultas produzam efeitos.

As dúvidas solucionadas em centros de atendimento ao contribuinte, de forma oral, não são consideradas consultas fiscais, não produzindo, portanto, efeitos jurídicos.

Outro requisito da consulta fiscal é de que o consulente seja devidamente qualificado na petição, posto que sua qualificação é necessária para a verificação de sua legitimidade.

No âmbito federal, no caso da consulente ser pessoa jurídica e possuir filiais, a petição deverá ser apresentada, sempre, em nome da matriz. Os efeitos, no entanto, poderão ser estendidos às filiais.

Com relação ao conteúdo da consulta, esse deve comportar três elementos: o texto normativo, o fato e a dúvida. Importante que esses três elementos sejam apresentados na petição de forma exata e completa, a fim de delimitar o alcance da resposta. Uma vez que a consulta produzirá efeito apenas sobre o fato descrito, fica evidente a necessidade de sua descrição ser a mais exata possível, assim como da dúvida a ser dirimida.

Quanto à legitimidade da exigência de taxas para fins de formulação da consulta, esse assunto é um tanto controverso. A corrente majoritária, que entende que a consulta fiscal decorre do direito de petição, posiciona-se contrária a cobrança de qualquer taxa, pois a veem de forma indevida. Entretanto, é passível de destaque o entendimento a seguir: as taxas porventura cobradas em face do oferecimento de consulta devem ser razoáveis, suficientes para suportar as despesas suscitadas pelo procedimento, para que não reste esvaziado o direito de formular consulta fiscal, em violação ao princípio do devido processo legal.[11]

O Ato Administrativo de Resposta à Consulta Fiscal

No âmbito da Administração Tributária Federal, a partir da criação da Lei nº 9.430/96, a competência para responder às consultas fiscais formuladas foi modificada, passando a ser adotada instância única para sua resolução, sendo alteradas, ainda, as unidades e agentes responsáveis por respondê-la.

Ponto significativo é que as consultas de competência de unidades regionais da Secretaria da Receita Federal, por exemplo, não podem ser dirigidas a unidade que não seja a do domicílio fiscal do consulente.

No que tange aos recursos interpostos contra soluções divergentes, a competência para julgamento cabe à Coordenação Geral do Sistema de Tributação. Entretanto, referido recurso deverá, também, ser interposto na unidade regional a qual o consulente esteja vinculado.

Consultas específicas, relativas a dúvidas acerca de classificação fiscal de mercadorias, deverão ser solucionadas pela Coordenação Geral do Sistema Aduaneiro, a qual compete, também, julgar os recursos interpostos em face de soluções divergentes.

No âmbito das Administrações estaduais e municipais, há variações de estado para estado e de município para município. Alguns desses entes políticos adotam instância única para a solução de consultas, outras, adotam dupla instância.

Diferentemente do que ocorre na esfera federal, nas esferas estaduais e municipais a competência para responder consultas está centralizada nos departamentos consultivos das respectivas Secretarias da Fazenda. “A centralização da competência para responder à consulta justifica a inexistência de previsão de recurso especial no âmbito de tais administrações”.[12]

Com relação ao conteúdo da resposta, é possível dizer que não existe resposta correta. Tudo resulta de uma interpretação, que pode, por exemplo, variar entre estados e municípios. A resposta obtida não indica um significado correto, mas sim, um significado que se revelará legítimo a partir da produção de seus efeitos.

A interpretação normativa pode ser comparada a um ato de escolha. Interpretar a matéria e chegar a uma solução, nada mais é que realizar atividades de conhecimento do texto legal e de escolher entre as possibilidades possíveis.

Escolhida a interpretação que mais se adéqüe ao caso concreto consultado, entende-se que a dúvida é dirimida, possibilitando que o consulente compreenda o sentido da regra tributária. A partir do momento em que o consulente é informado acerca da solução a sua consulta, ele tem em mãos uma situação jurídica subjetiva, posto que, embora tenha o resultado da sua consulta, isso não significa que ele estará obrigado a seguir tais orientações.

“A decisão da consulta (…) dá ao contribuinte a certeza do direito a aplicar, garantindo-lhe que os atos praticados em conformidade com seu conteúdo serão respeitados, e que conduta diversa não lhe será imposta”.[13]

Por findo, é fundamental assinalar que o conteúdo das respostas deve determinar, exatamente, o sentido do texto normativo, sem introduzir quaisquer novidades nesse. Isso porque o objetivo desse instituto não é legislar, mas sim, elucidar as dúvidas apresentadas pelos consulentes.         

Efeitos da Consulta Fiscal

Conforme mencionado no item anterior, para que as consultas fiscais possam produzir efeitos, alguns requisitos e pressupostos legais devem ser observados. A falta de observância a esses, torna a consulta fiscal ineficaz, não atingindo, assim, o efeito desejado.

O direito de formular consulta fiscal está diretamente ligado à apresentação de dúvida por parte do contribuinte. Se não existir dúvida, não há o que se falar em consulta fiscal. Entretanto, se houver dúvida, mas já existir um posicionamento do fisco a esse respeito, não caberá consulta sobre essa matéria.

A dúvida que sonda o contribuinte deverá ser verdadeira e fundada. Nesse momento, é fundamental a observância da boa-fé. Sem essa, não existe legitimidade que confira ao contribuinte o direito à consulta.

A boa-fé é a expressão da intenção pura, isenta de dolo ou malícia, que orienta a conduta de uma pessoa na realização de um ato, certo de que está agindo na conformidade com o direito. Presumidamente, aquele que formula consulta fiscal à Administração quer cumprir corretamente a norma tributária. Demonstra, assim, ainda que implicitamente, a boa-fé.[14]

Não há como se provar a boa-fé. Existe, sim, a possibilidade de presunção, por meio de um conjunto de fatores exteriores ao ato. A apresentação de consulta fiscal, sem que tenha sido realmente fundada na incerteza e dúvida, é ato de estrema gravidade, caracterizado pela má-fé do consulente.

Como exemplo, pode-se destacar o contribuinte que sofreu autuação e, com o objetivo de afastar a cobrança de determinado tributo, de forma imediata, formula a consulta.

Uma vez considerada eficaz, a consulta está apta a produzir efeitos. A consulta fiscal possui um caráter preventivo, posto que o consulente se antecipa à Administração Pública, com o intento de se colocar em estado de certeza jurídica.

Esse instituto, por sua vez, não pode ser considerado uma forma de denúncia espontânea, haja vista que, antecipando-se a qualquer ato da Administração Pública, não há como se falar em infração do contribuinte. O primeiro efeito, portanto, a partir da apresentação da consulta, é colocar o consulente a salvo de eventual penalidade.

O Decreto nº 70.235/72, em seu artigo 48, assevera que “o contribuinte fica imune a sanções ou punições, pelo fato de formular, regularmente, consulta à administração”. Isso se dará, porém, até o trigésimo dia subseqüente a data em que o consulente tomar ciência do entendimento da Administração Pública.

Essa impossibilidade do fisco instaurar procedimento fiscal contra o consulente que formulou consulta, é um requisito para a própria eficácia da consulta fiscal. Se não houvesse tal impedimento, o contribuinte se sentiria inibido em apresentar suas dúvidas, descaracterizando, assim, todo o instituto.

Outro efeito desse processo diz respeito à não aplicação da penalidades  como juros e correções para pagamento do tributo. Nos termos do artigo 161, do Código Tributário Nacional, ao contribuinte que estive na pendência de consulta formulada dentro do prazo legal para a satisfação do crédito tributário, não serão aplicados os juros de mora nem penalidades.

 Significa dizer que, ao contribuinte que não obteve resposta favorável na consulta formulada, quando do pagamento do tributo, não lhe serão imputados juros nem correções.

De modo geral, é lícito afirmar que os efeitos da consulta fiscal não beneficiam nem prejudicam o consulente, apenas orientam-no de modo a aplicar a regra tributária de acordo com a intenção do legislador.

É claro que, em muitos casos, o consulente, não satisfeito com a resposta apresentada pelas Autoridades Administrativas, ingressa com recursos com o objetivo de revogar a resposta dada pela Administração Pública. A revogação necessita, entretanto, ser fundamentada, com base na necessidade de modificação da resposta anteriormente dada em face da conjuntura atual, que poderá determinar uma interpretação diversa da regra utilizada para a resposta anterior.

Consulta Fiscal como Causa de Suspensão da Exigibilidade do Crédito Tributário

Conforme dispõe o artigo 151, do Código Tributário Nacional, a consulta fiscal não está, de forma expressa, nesse rol de situações.

Aparentemente, portanto, ao se pensar em boa-fé, juntamente com a possibilidade de se considerar a consulta fiscal como uma hipótese para a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, uma incongruência é encontrada.

Ao se falar em suspensão da exigibilidade do tributo, se pressupõe que este já tenha sido formalmente constituído e exigido. “Para que haja a suspensão da exigibilidade do crédito em face do oferecimento da consulta é imperioso, portanto, que o fato objeto da consulta já tenha sido formalizado em linguagem competente e que o respectivo crédito seja exigível”.[15]

Como a formulação de consulta após o lançamento do crédito tributário ensejaria a má-fé e tornaria inapta a consulta, os efeitos desejados não seriam atingidos. Contudo, existe nessa ótica, o entendimento do lançamento promovido pelo próprio consulente, que diz respeito ao lançamento por homologação.

No final dos anos 80 e início da década de 90, a jurisprudência se mostrou sensível quanto aos casos de contribuintes sujeitos ao pagamento de tributos lançados por homologação. Em 1996, com a criação da Lei 9.430, o Poder Legislativo também admitiu expressamente a suspensão da exigibilidade do tributo ao legislar:

Art. 63. Não caberá lançamento de multa de ofício na constituição do crédito tributário destinada a prevenir a decadência, relativo a tributos e contribuições de competência da União, cuja exigibilidade houver sido suspensa na forma do inciso IV do art. 151 da Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966.

1º “O disposto nesse artigo aplica-se, exclusivamente, aos casos em que a suspensão da exigibilidade do débito tenha ocorrido antes do início de qualquer procedimento de ofício a ele relativo.

Ampliando o conceito de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, em face do que dispõe o artigo 151 do Código Tributário Nacional, no caso de dúvidas acerca dos tributos lançados por homologação, a consulta fiscal poderia, destarte, ser formulada e classificada com base no inciso III, que diz respeito às reclamações e recursos.

Em algumas ocasiões já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal nesse sentido, posicionando de forma a entender que a consulta fiscal não tem os mesmos efeitos das reclamações e recursos previstos no já citado artigo 151 do CTN. Existem alguns entendimentos, todavia, contrários a tal posicionamento.

Se um dos efeitos da formulação de consulta eficaz é a impossibilidade de que o Fisco exija o tributo objeto da consulta, é evidente que, enquanto pendente de julgamento, o tributo em questão encontra-se com sua exigibilidade suspensa, de acordo com a amplitude hoje dada a esta expressão pela lei e pela jurisprudência, mesmo que a hipótese em questão não se encontre entre aquelas arroladas no artigo 151 do Código Tributário Nacional.[16]

Diferentemente dessa linha de raciocínio, mas também a favor da suspensão da exigibilidade do crédito tributário, a partir da apresentação da consulta fiscal, é o seguinte entendimento: a suspensão da exigibilidade (…) tem seu fundamento não no artigo 151, III do Código Tributário Nacional, mas nos dispositivos legais disciplinadores do procedimento de consulta que estabelecem a suspensão da instauração de qualquer procedimento fiscal diante do oferecimento daquela, tal como o art. 48 do Decreto nº 70.235/72. Nesse contexto, tal oferecimento, a respeito de suspender a exigibilidade do crédito objeto da consulta, autoriza a expedição de certidão negativa de débito, ou, mais precisamente, positiva com efeito de negativa, nos termos do art. 206 do Código Tributário Nacional.[17]

Sem fazer distinções para o raciocínio adotado nos dois posicionamentos acima, ambos entendem de forma favorável a adoção da consulta fiscal como causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário.

CONCLUSÃO

Conforme já bem destacado, a hipótese de suspensão do crédito tributário, pela apresentação de consulta fiscal junto ao fisco, não está explicitamente apresentada no artigo 151 do Código Tributário Nacional, que elenca, claramente, seis hipóteses de suspensão do referido crédito.

Com esse embasamento, entende o fisco brasileiro, portanto, que a consulta fiscal não tem o condão de suspender o crédito tributário, de modo a beneficiar aqueles contribuintes que apresentam dúvida acerca de determinada obrigação tributária.

Entretanto, de forma contrário a esse posicionamento, é de todo importante destacar que existe grande preocupação da Administração Pública em tentar identificar ou, então, presumir a boa-fé do consulente quando da apresentação das consultas. Todavia, se para o fisco não existe a possibilidade, por meio da consulta fiscal, de se suspender a exigibilidade do crédito tributário, fica um tanto estranha essa preocupação, o que leva a entender que, mesmo de forma implícita, esse instituto poderia ser aplicado aos casos de suspensão de que trata o artigo 151 do Código Tributário Nacional.

Outra incongruência, ao meu ver, no posicionamento do fisco, diz respeito a possibilidade de isenção e não aplicação de multas e correções sobre o montante total da obrigação tributária, nos casos em que ocorrer a apresentação de consulta fiscal ao fisco. Ora, por que a consulta fiscal teria força de afastar a cobrança de multas, mas não de suspender a exigibilidade da cobrança? Um grande erro do fisco em manter tal posicionamento.

As considerações acima e o posicionamento do fisco em não considerar a consulta fiscal como um meio de suspensão do crédito tributário, ofende o direito de petição do consulente, consequentemente, indo contrário ao que apregoa a Constituição Federal, uma vez que nada vale, para o contribuinte, possuir um direito (de petição) sem que haja efeitos sobre tal.

A Autoridade Administrativa possui legitimidade e força para possibilitar aos contribuintes, que agem de boa-fé, ter seus créditos tributários suspensos enquanto não forem solucionadas as dúvidas apresentadas.

Como a legislação tributária não prevê, legalmente, prazo certo para que a Autoridade Administrativa retorne com as respostas. Entretanto, se tais órgãos respeitassem os contribuintes como o elo mais fraco da relação tributária, suspenderiam de pronto a exigibilidade de tais créditos e procurariam, respeitando todas as exigências formais, responder as consultas no menor prazo possível. Isso resolveria, certamente, essa questão, haja vista que os consulentes seriam beneficiados e a Autoridade Administrativa ficaria com o direito de receber os créditos tributários durante um pequeno espaço de tempo.

Embora isso fosse uma solução, não é o que ocorre na prática, sendo que algumas consultas fiscais chegam a demorar meses para serem respondidas.

 De qualquer forma, seja o posicionamento do fisco, atualmente, contrário a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, por meio da consulta fiscal, alguns doutrinadores e pensadores já são contrários a tal imposição, como são casos de destaque Kelly Magalhães Falleiro e Gabriel Lacerda Troianelli.

Com a amplitude dada hoje ao presente tema e a crescente divergência entre alguns doutrinadores acerca do assunto, tudo leva a crer que, em breve, será necessário que o Poder Legislativo interfira, de modo a deixar claro aos contribuintes os efeitos da consulta fiscal com relação à suspensão da exigibilidade do crédito tributário.

A tendência é de que, em um futuro próximo, o disposto no artigo 151 do Código Tributário Nacional seja alterado, de forma a ser inserida, explicitamente, tal possibilidade no rol de hipóteses de suspensão da exigibilidade do tributo.

Ainda quanto à boa-fé, é evidente que existem contribuintes que podem agir de má-fé quando da formulação da consulta fiscal, com o objetivo de ganhar algum tempo antes que sejam realmente obrigados a pagar determinados tributos. Nesses casos, sou totalmente favorável ao posicionamento do fisco.

Contudo, ao consulente que haja de boa-fé, com o intuito único e exclusivo de esclarecer suas dúvidas, tal possibilidade deveria ser claramente concedida. É claro que a boa-fé não é algo que se pode identificar de plano. Entretanto, o fisco não pode agir de forma autoritária e radical, prejudicando tais consulentes em detrimento aos que agem de má-fé, que são a minoria no meu ponto de vista.

Nessa linha, utilizando como meio de raciocínio o Direito Penal, por exemplo, é totalmente contrário ao ordenamento jurídico condenar um acusado sem que haja um julgamento justo para o mesmo. Da mesma forma, não é correto “condenar” o contribuinte ao pagamento de determinado tributo sem que sua consulta seja analisada.

Conforme já apresentado, a consulta fiscal não está disposta de forma explícita, porém, é passível de entendimento de alguns doutrinadores, sendo que essa é a linha de raciocínio adotada por mim, que esse instituto esteja inserido, de forma implícita, aos recursos e reclamações de que trata o inciso III do artigo 151 do Código Tributário Nacional, uma vez que, por recursos e reclamações, pode-se entender toda forma de manifesto do contribuinte contra as exigências impostas pela Administração Tributária.  

Por tais motivos, considerando essa possibilidade, mais o direito de petição dado ao contribuinte brasileiro e a presunção da boa-fé, concluo meus estudos com o entendimento de que a consulta fiscal possui, claramente, o condão de suspender a exigibilidade do crédito tributário, de modo a possibilitar aos contribuintes nessa situação a segurança jurídica necessária em nosso ordenamento.

BIBLIOGRAFIA

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[1] TROIANELLI, Gabriel Lacerda. Consulta fiscal como causa de suspensão de exigibilidade do tributo. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, nº 146. p.35-48, nov.2007, apud NOVOA, 2000, p.147.

[2] FALEIRO, Kelly Magalhães. Procedimento de Consulta Fiscal. São Paulo: Noeses, 2005, p.04.

[3] Ibid., p.92.

[4] ROCHA, Valdir de Oliveira. A Consulta Fiscal. São Paulo: Dialética.1996, p.24.

[5] FALEIRO, Kelly Magalhães. Op.cit. p.118.

[6] ROCHA, Valdir de Oliveira. Op.cit. p.09

[7] FALEIRO, Kelly Magalhães. Op.cit. p.05.

[8] CAMPOS, Dejalma de. Direito Processual Tributário. 4ª Ed. São Paulo: Atlas, 1995, p.44.

[9] Ibid., p.48.

[10] FALEIRO, Kelly Magalhães. Op.cit. p.67.

[11] Ibid., p.75.

[12] Ibid., p.96.

[13] Ibid., p.114.

[14] Ibid., p.49.

[15] Ibid., p.81.

[16] TROIANELLI, Gabriel Lacerda. Op.cit. p.47.

[17] FALEIRO, Kelly Magalhães. Op.cit. p.84.

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